sexta-feira, 25 de outubro de 2013

No divã do inimigo.

- Como se sente hoje?

- Acho que, morto... Não sei... Sinto-me totalmente desconectado com meu passado, sem identidade... Não sei...

- Não se preocupe isso faz parte do programa, primeiro você precisava entender a real necessidade das coisas, pessoas, hábitos, enfim... Tudo em sua vida. Então você saberia pelo o que lutar, você precisa se manter saudável pra daí então conseguir dar a devida atenção para as coisas boas em sua vida.

- Tipo o que exatamente? Desculpa, mas a verdade é que se você não quer exatidão, não deve se propor a calcular. Antes de vir parar aqui eu estava louco, mas era melhor ser Napoleão, imponente, importante e invencível, do que ser apenas um ex demente. O que eu faço agora? Não há nada pra conquistar, e eu sinto medo, me sinto inseguro com as pessoas olhando nos meus olhos enquanto eu falo, eu gostava quando viravam o rosto enquanto eu encorajava minhas tropas portando minha espada.

- Não era normal, era assustador.

- Assustador? Assustador são os telejornais das 18hs, só porque passa todo dia na TV gente matando gente não significa que isso seja normal, mas você aceita, no fundo nem sente nada enquanto o ancora descreve os requintes de crueldades do assassino. Todos deveriam chegar em casa dos seus respectivos trabalhos, e ao invés de ligar a TV pra ver quem foi esquartejado dessa vez, deveriam fantasiar, sei la, viver uma outra vida, aquela vida que sonhávamos antes de adoecermos de “sanidade real”. Porque realidade? Nós queríamos ser astronautas, ai um dia te disseram que era longe demais e não ia rolar então você escolheu ser psicanalista, meu vizinho resolveu ser contador, eu resolvi ser engenheiro, e o pior de tudo, tínhamos de nos manter profissionais, nos manter maridos e pais onde quer que estivéssemos, para todo o sempre, não há um minuto em que eu não tivesse que me “encaixar”, como se fosse a razão da minha existência. Ora, se tiver de desperdiçar todo o tempo que me resta buscando por um encaixe perfeito que nunca irá acontecer, porque desistir do espaço sideral? Porque não posso protagonizar ao menos as histórias que invento, viver até os romances perfeitos dos filmes, realidade? Eu vivi intensamente as loucuras criadas pela minha mente, fui parar incontáveis vezes na cama de um hospital com eletrodos no peito, o pânico era real, a dor era real, então minha mente,por favor, trabalhe a meu favor, eu quero afrouxar minha gravata às 17hs de uma quarta-feira e voar por toda a cidade, asas inventadas não derretem como cera, eu quero ser louco pra ser livre, ou o mais próximo disso que eu puder, eu racional sou invariavelmente um imbecil, aliás todo racional é, porque as atitudes são redundantes demais e eu preciso ser surpreendido pra me interessar, então sei lá, minta o quanto quiser, mas me faça ficar interessado por minutos que terá valido a pena.

- Continue com os remédios, dependendo da evolução na próxima avaliação, vou receitar algum tratamento alternativo.

- Obrigado Dra,agradeço sua atenção.

- Tenha um bom dia, quando acordar.